sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Saramago e o seu Manual de Pintura e Caligrafia

Saramago, no que diz respeito ao apreço pela linguagem em seu texto literário, pode ser comparado a João Cabral de Melo Neto na Poesia. Este livro não é muito conhecido do grande público, infelizmente. Como o próprio nome sugere, o Manual é um guia para o leitor admirar a obra desse escritor, via linguagem.

Estou analisando o trecho abaixo (brilhante, por sinal) em um artigo sobre semiótica discursiva que estou escrevendo para uma revista. Observem a função de cada palavra na constituição e descrição de um "quadro", que finda por instaurar um observador, capaz de ressentir, avaliar, apreciar ou afastar os objetos, ora aproximando-os, ora afastando-os do seu centro, modulando, assim, a significação. Neste excerto, a personagem principal, um pintor, descreve o seu atelier, após a visita da secretária de um de seus clientes, com a qual acabara de manter relação sexual, e a partida da faxineira, que, logo depois realizou a limpeza do ambiente:



Estou outra vez no silêncio do atelier, com a rua esquecida em baixo das janelas e as outras divisões da casa recuperando a solidão interrompida, enquanto os objectos mudados de lugar, bruscamente transplantados ou apenas arredados um milímetro, se habituam à nova posição, distendendo-se aliviados, como os lençóis lavados na cama, ou pelo contrário procurando acomodar-se à violência, como os lençóis sujos, enrolados no saco da lavanderia, cheirando a corpo frio (SARAMAGO, 1992, p. 70).

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