terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Boas Festas!

Finda mais um ano. Agradeço aos que visitam o blog. Encerro as postagens de 2009 com dois poemas de dois Escritores de minha predileção: Machado de Assis e Jorge Luis Borges. Até 2010.

Soneto de Natal (Machado de Assis)

Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço no Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"


Final de ano (Borges)
Nem o pormenor simbólico
de substituir um dois por um três
nem essa metáfora baldia
que convoca um lapso que morre e outro que surge,
nem o cumprimento de um processo astronómico
aturdem e solapam
o altiplano desta noite
e nos obrigam a esperar
as doze irreparáveis badaladas.
A causa verdadeira
é a suspeita geral e confusa
do enigma do Tempo;
é o assombro ante o milagre
de que a despeito de infinitos acasos,
de que a despeito de que somos
as gotas do rio de Heraclito,
perdure algo em nós:
imóvel.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Será arte?

Hoje, li o curtíssimo poema de Ferreira Gullar, intitulado "Pintura". Encontrei-o no livro "Barulhos", em rápida visita a uma livraria. O que muito me chamou a atenção foi o fato de que esse maranhense-comunista, além de Poeta, é também pintor. Deixo aqui, uma réstia da mistura de suas múltiplas faces.


Pintura

Eu sei que se tocasse
Com a mão aquele canto do quadro
onde um amarelo arde
me queimaria nele
ou teria manchado para sempre de delírio
a ponta dos dedos

Dilema

A pretensão me degrada
a humildade me deprime
e assim a vida é lesada:
ora é virtude ora é crime


Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
Outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O Ciúme e a Semiótica


“Como ciumento, sofro quatro vezes: porque sou ciumento, porque me reprovo em sê-lo, porque temo que o meu ciúme fira o outro e porque me deixo sujeitar por uma banalidade: sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum.” (Roland Barthes, fragmentos de um discurso amoroso).


Esta postagem é dedicada ao ciúme: "estado emocional complexo que envolve um sentimento penoso provocado em relação a uma pessoa de que se pretende o amor exclusivo; receio de que o ente amado dedique seu afeto a outrem"(Dicionário Houaiss).


Na verdade, o repentino interesse pelo tema deve-se à leitura (bem como às proveitosas discussões com o prof. Américo) do clássico Semiótica das paixões, de Greimas e Fontanille. Nesta obra, os autores se valem de um aparato teórico rigoroso, para simularem e darem conta da complexa manifestação dessa intrigante paixão humana. Sem pretensão de esgotar ou aprofundar o assunto, uma vez que minha leitura ainda é parcial, deixo aqui somente pequenos fragmentos de texto desse livro surpreendente, ainda pouco explorado pelos semioticistas:


" O ciúme aparece de súbito no fundo de uma relação intersubjetiva complexa e variável, presente por definição ao longo de todo percurso passional: o temor de perder o objeto só se compreende aqui em presença de um rival ao menos potencial ou imaginário, e o temor do rival nasce da presença do objeto de valor que funciona como pivô" (p. 171).


"Se o espetáculo fundamental do ciúme é o da junção modalizada do rival e do objeto, o ciumento é, enquanto observador, excluído da relação de junção [...]. É por isso que o sujeito ciumento se acha na impossibilidade de segmentar de outra forma o dispositivo actancial, e a cena odiada ou apreendida se lhe impõe; ele mesmo se apresenta, com relação a seu próprio simulacro passional, como sujeito virtualizado, sujeito sem corpo que não pode ter acesso à cena[...]. O observador do ciúme será efetivamente um 'espectador', isto é, observador cujas coordenadas espaço-temporais referem-se às do espetáculo que lhe é oferecido, mas que não pode, em caso algum, figurar como ator nessa mesma cena" (p. 181).