terça-feira, 30 de junho de 2009

Vida aos quarenta


Hoje, 30 de junho de 2009, chego aos quarenta anos: para aqueles que me estimam ou amam, deixo o poema-canção logo abaixo e este recado: além dos desafios e incertezas vindouras, ainda há sangue pulsando, empunhando esse punhado de vida.

Motivo (Cecília Meireles)
Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.


Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou se desfaço,

- Não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno e asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

- mais nada.

sábado, 20 de junho de 2009

Valéry: o vaticinador


Já em 1938, Paul Valéry, o pensador, interrogava-se sobre a decadência do exercício intelectual nas artes e ciências. Ao que parece, esta bancarrota continua hodiernamente. De fato, nada parece mais ingênuo e egoísta que o sentir pelo sentir praticado pelo mundo moderno: aguça-se a percepção, mas, por outro lado, priva-se a mente de qualquer possibilidade de construção, adição ou transformação do objeto a ser apre(e)ndido. Qual o preço a ser pago por isso?

Cada vez mais adiante, cada vez mais intenso, cada vez maior, cada vez mais rápido, e sempre mais novo, essas são as exigências, que correspondem necessariamente a certo endurecimento da sensibilidade. Precisamos, para sentir que estamos vivos, de uma intensidade cada vez maior dos agentes físicos e de diversão perpétua... Todo o papel que era desempenhado, na arte de outrora, pelas considerações de duração foi praticamente abolido.Creio que ninguém faz nada hoje para ser apreciado daqui a duzentos anos. O céu, o inferno e a posteridade perderam muito na opinião pública. Aliás, não temos mais tempo de prever e aprender...(Valéry: Degas, dança desenho, p. 147)

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Paul Valéry: o artífice do pensamento


Conheci a obra de Valéry por meio da Semiótica. Confesso: prefiro o Valéry Pensador ao Valéry poeta. Contudo, como não ver poesia no modo como ele arquiteta, desenha, ouve ou (des)escreve o pensamento? Não pretendo esgotar essa figura em uma única postagem. Voltaremos a ele, mas deixo, por ora, um pouco de sua prosa poética a respeito das questões que envolvem a existência e o pensamento humano:


Arremessada para bem longe pelas ondas mais altas, a espuma forma flocos lourejantes e irisados que rebentam ao sol, ou que o vento divertidamente persegue e dispersa, quais bestas espantadas pelo salto brusco do mar. Mas eu, eu me deliciava na espuma nascente e virgem, de estranha doçura ao contato...Leite tépido e vaporoso, que com voluptuosa violência aproxima-se, inunda os pés nus, encharca-os, ultrapassa-os e desliza novamente sobre eles, plangendo com sua voz que deixa a praia e retira-se em si mesma; enquanto, presente e viva, a estátua humana crava-se um pouco mais na areia que a arrasta; e a alma, abandonada a essa música tão poderosa e tão sutil, tranquiliza-se, e a segue eternamente. (Eupalinos ou o arquiteto, 1996, p. 107).