sábado, 6 de novembro de 2010

Albert Camus (parte II): O mito de Sísifo




Em 1942, o Escritor Albert Camus escreveu um ensaio filosófico intitulado "O mito de Sísifo", em que apresenta sua filosofia do absurdo, por meio de temas como a morte e o suicídio. Para ele, essa filosofia se resume ao homem fútil em busca de sentido, unidade e clareza no rosto de um mundo ininteligível, desprovido de Deus e eternidade. Vejamos um trecho:


"Posso negar tudo dessa parte de mim que vive de nostalgias incertas, salvo esse desejo de unidade, esse apetite de resolver, essa exigência de clareza e de coesão. Posso refutar tudo nesse mundo que me rodeia, me choca e me arrebata, excepto este caos, este acaso-rei e esta equivalência divina que nasce da anarquia. Não sei se este mundo tem um sentido que o ultrapassa. Mas sei que não conheço tal sentido e que de momento me é impossível conhecê-lo. Que significa para mim um significado fora da minha condição? Só posso compreender em termos humanos. O que toco, o que me resiste, eis o que compreendo. E ainda sei que não posso conciliar essas duas certezas, o meu apetite de absoluto e de unidade e a irredutibilidade deste mundo a um princípio racional e razoável. Que outra verdade posso reconhecer sem mentir, sem fazer intervir uma esperança que não tenho e nada siginifica nos limites da minha condição?" (Albert Camus – O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o absurdo)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O homem revoltado, de Albert Camus (parte I)


"Les héros ont notre langage, nos faiblesses, nos forces. Leur univers n´est ni plus beau ni plus édifiant que le nôtre. Mais eux du moins courent jusqu´au bout de leur destin(...). C´est ici que nous perdons leur mesure, car ils finissent alors ce que nous ná chevons jamais.”



"Os heróis têm nossa linguagem, nossas fraquezas, nossas forças.
Seu universo não é, nem mais belo nem mais edificante do que o nosso.
Mas eles correm até o fim de seu destino(...) .É nesse ponto que perdemos sua medida, pois eles conseguem finalizar aquilo que jamais conseguimos.”





terça-feira, 26 de outubro de 2010

Notas sobre a Paixão em Semiótica

O nosso grupo de pesquisa -SEMIOce (Grupo de Estudos Semióticos da Universidade Federal do Ceará)- discute, no momento, a semiótica das paixões: tema intrigante e desafiador, a começar pela leitura densa do livro homônimo de Greimas e Fontanille.
Abaixo deixo uma passagem muito elucidativa a respeito do modo como a semiótica trata as paixões. Foi colhida de outro livro: Tensão e Significação, o tratado de Semiótica Tensiva, de Fontanille e Zilberberg (p. 299-300)

"[...]De certo modo, vivenciar uma paixão seria mesmo conformar-se a uma identidade cultural e buscar a significação de nossas emoções e afetos na sua maior ou menor conformidade às taxionomias acumuladas em nossa própria cultura.

Por conseguinte, não pode haver configuração passional sem observador culturalmente competente: uma emoção ou afeto exigem apenas um corpo que sente, e são por isso simples acidentes do devir proprioceptivo, um fazer reativo ou adaptativo de primeiro grau. Já uma paixão é um 'acontecimento' em sentido estrito, isto é, uma tranformação apreendida e reconhecida por um observador. O não reconhecimento dos signos da paixão é um dos motivos mais estereotipados de todas as histórias de amor. Todos os sinais, todas as condições podem estar reunidas, mas é necessário que os parceiros se entendam sobre o lugar desse conjunto na taxionomia passional própria à sua cultura, e até mesmo que eles identifiquem e pronunciem de comum acordo o nome dessa paixão".

"[...]Isso significa que, assim que uma paixão é identificada e denominada, não estamos mais na ordem da dimensão passional viva, mas na dos estereótipos culturais da afetividade. Não podemos portanto começar a descrição das paixões identificando 'unidades' ou 'signos' passionais, sobretudo lexicais, pois tal identificação está de imediato submetida ao crivo cultural do observador".

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Lembrando Fernando Pessoa


A coisa estranha e muda em todo o corpo,
Que está ali, ebúrnea, no caixão,
O corpo humano que não é corpo humano
Que ali se cala em todo o ambiente;
O cais deserto que ali aguarda o incógnito
O assombro álgido ali entreabrindo
A porta suprema e invisível;
O nexo incompreensível
Entre a energia e a vida,
Ali janela para a noite infinita...
Ele — o cadáver do outro,
Evoca-me do futuro
[Eu próprio dois?], ou nem assim...

E embandeiro em arco a negro as minhas esperanças
Minha fé cambaleia como uma paisagem de bêbedo,
Meus projectos tocam um muro infinito até infinito.

(Álvaro de Campos)

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Leonid Afremov e Greimas

“Querer dizer o indizível, pintar o invisível: provas de que a coisa, única, adveio, que outra coisa seja talvez possível. Nostalgias e esperas alimentam o imaginário cujas formas, murchas ou desabrochadas, substituem a vida: a imperfeição, desviante, cumpre assim, em parte, seu papel. Vãs tentativas de submeter o cotidiano ou dele esvair-se: busca do inesperado que foge. E, todavia, os valores ditos estéticos são os únicos próprios, os únicos que, rejeitando toda negatividade, nos arremessam para o alto. A imperfeição aparece como um trampolim que nos projeta da insignificância em direção ao sentido. O que resta? A inocência: sonho de um retorno às nascentes quando o homem e o mundo constituíam um só numa pancália original. Ou a vigilante espera de uma estesia única, de um deslumbramento ante o qual não nos encontraríamos obrigados a fechar as pálpebras. Mehr Licht!"
(Greimas, A, J. Da imperfeição, p. 91).

Notas de Sartre sobre a tristeza e a alegria.

Lendo o pequeno livro de Sartre, Esboço para uma teoria das emoções, deparo-me com os trechos abaixo, em que o autor fala da abordagem fenomenológica da (s) tristeza (s) e da alegria:
A tristeza passiva visa a suprimir a obrigação do sujeito-triste de buscar novos meios que substituam os meios antigos, de transformar a esttutura do mundo substituindo sua constituição presente por uma estrutura totalmente indiferenciada. "trata-se, em suma, de fazer do mundo uma realidade afetivamente neutra, um sistema em equilibrio afetivo total, de abandonar os objetos com forte carga afetiva, de levá-los todos ao zero afetivo e, desse modo, aprendê-los como perfeitamente equivalentes e intercambiavéis". " Em outras palavras, por não poder e querer realizar os atos que projetávamos, fazemos de modo que o universo nada mais exija de nós."
A tristeza ativa, por seu turno, implica uma espécie de recusa, de abandono de responsabilidade. "Há um exagero mágico das dificuldades do mundo. Este conserva, portanto, sua estrutura diferenciada, mas aparece como injusto ou hostil porque exige muito de nós, isto é, mais do que é humanamente possível lhe dar". Tudo permanece, então, 'por fazer', pois o sujeito-triste retira de si a responsabilidade do querer fazer, pondo em seu lugar somente o 'desejar fazer algum dia'.
A alegria, para Sartre, é vista como um estado de euforia, de impaciência, no qual o sujeito-alegre "não fica quieto, faz mil projetos, esboça condutas que abandona em seguida, etc. É que, de fato, sua alegria foi provocada pelo aparecimento do objeto de seus desejos[...]. Mas, embora esse objeto seja 'iminente', ele ainda não está aí, ainda não é dele. Uma certa duração o separa do objeto. E mesmo se está aí, mesmo se o amigo tão desejado aparece na plataforma da estação de trens, mesmo assim é um objeto que só se entrega aos poucos, em breve o prazer que temos de revê-lo vai se atenuar: nunca conseguiremos tê-lo aí, diante de nós, como nossa propriedade absoluta, e percebê-lo de uma só vez, como uma totalidade [...]. A alegria é uma conduta mágica que tende a realizar por encatamento a posse do objeto desejado como totalidade instantânea. Essa conduta é acompanhada pela certeza de que a posse será realizada cedo ou tarde, mas ela busca antecipar essa posse".

sábado, 18 de setembro de 2010

Justificativa e retorno

Ando alheio ao blog. Nas últimas semanas, a vida acadêmica tem suplantado a vida de Blogueiro. Prometo retomar a regularidade das postagens no início de outubro, assim que honrar os prazos estipulados para a conclusão de uma série de atividades na Universidade.

Contudo, não esqueço o blog: escrevo um artigo (de Semiótica Discursiva) que examina as imagens do corpo, construídas em anúncios classificados de serviço de sexo pelas operações enunciativas de debragem e embreagem. Ontem à noite, me deparo (olha uma embreagem aí) com os trechos abaixo em um livro de Válery sobre Jorge Degas (o pintor-escultor das bailarinas, cavalos, etc.), que muito se relacionam com o que estou escrevendo no artigo:

" As coisas nos olham. O mundo visível é um excitante perpétuo: tudo desperta ou alimenta o instinto de se apropriar da figura ou do modelado da coisa que o olhar constrói".

" 'O modo de ver' do qual falava Degas deve portanto ser entendido de forma ampla e incluir: o modo de ser, poder, saber, querer...".

"Em todos os gêneros, o homem verdadeiramente bom é aquele que mais sente que nada nos é dado, que é preciso tudo construir, tudo comprar; e que treme quando não sente a existência de obstáculos; que os cria... Nele, a forma é uma decisão motivada". (Paul Valéry. In Degas Dança Desenho, Cosac & Naify).