quinta-feira, 1 de julho de 2010

Palomar observa o céu

Em postagem antiga, comentei a originalidade da obra de Ítalo Calvino, tomando como exemplo seu livro As cidades invisíveis. Recomendo, do mesmo modo, Palomar, último livro publicado em vida por Calvino. Nele, o autor narra e descreve os pontos de vista da personagem principal, cujo nome intitula o livro, sobre a realidade que o cerca. Curioso é o fato de que Palomar é também o nome de um famoso observatório astronômico, localizado em San Diego, Califórnia (EUA). Não por acaso, Calvino constrói seu personagem como um telescópio ao contrário, voltado não para a amplidão do espaço, mas para os mínimos detalhes das coisas e fatos do cotidiano. Com maestria, o autor nos conduz a uma reflexão a respeito de várias questões que cercam a existência humana, sob o olhar aparentemente ingênuo do Senhor Palomar sobre cada objeto que percebe a sua volta. Segue um pequeno trecho:


Lua da tarde

Ninguém olha a lua da tarde, e é exatamente naquele momento que ela teria maior necessidade do nosso interesse, dado que a sua existência não está ainda assegurada. É uma sombra esbranquiçada que desponta do azul intenso de um céu carregado de luz solar; quem nos garante que conseguirá, uma vez mais, tomar forma e ganhar brilho? É tão frágil e pálida e franzina; só um dos seus lados começa agora a conquistar um contorno, claro como um arco de foice, o resto permanece ainda embebido de azul celeste. É como uma hóstia transparente, ou como uma pastilha semi-dissolvida; só que aqui o círculo branco não se está a dissolver, mas sim a concentrar-se, agregando-se à custa de manchas e sombras cinzento-azuladas, que não se percebe se pertencem à superfície lunar ou se são restos de baba do céu, que todavia impregnam o satélite, poroso como uma esponja.

Nesta fase o céu, é ainda qualquer coisa de muito compacto e concreto, e não podemos estar seguros se é da sua superfície tensa e ininterrupta que se vai destacando aquela forma redonda e esbranquiçada, com uma consistência pouco mais sólida do que a das nuvens, ou se, pelo contrário, se trata de uma corrosão do pano de fundo, uma malha caída da cúpula, uma brecha que se abre sobre o nada que se queda por detrás. A incerteza é acentuada pela irregularidade da figura, que por um lado vai adquirindo relevo (onde têm maior incidência os raios do sol declinante) e pelo outro se mantém numa espécie de penumbra.

Aliás, o que permanece agora incerto é se este ganhar em evidência e (digamo-lo) em esplendor se deve ao lento recuar do céu, que quanto mais se afasta mais mergulha na obscuridade, ou se pelo contrário é a lua que está a avançar, recolhendo a luz precedentemente dispersa à sua volta e privando dela o céu, concentrando-a toda na redonda boca do seu funil.

Um comentário:

  1. Lindo trecho do Calvino, amigo! E adorei as esculturas exibidas no teu blog - algumas são maravilhosas!
    Aproveito e mando novos parabéns para a Lívia! Ou melhor, complimenti!
    Ciao!

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