segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A memória da solidão


A solidão é tema constante nos textos de Dino Buzzati, escritor italiano, conhecido sobretudo pelo romance O deserto dos tártaros: a história de um jovem soldado, enfurnado em um antigo forte que faz fronteira com um deserto desolador, à espera de um inimigo (os tártaros) que nunca vem. Diante de um marasmo que contamina tudo e a todos, o suposto héroi passa quatro anos (que parecem quinze) de sua vida no forte, amalgamando-se às paredes, à rotina militar sem sentido e ao silêncio do deserto... à espera de algo que talvez não passe de miragem da sua própria solidão.


Hoje, ao reler um trecho de outro livro de Buzzati, intitulado Naquele exato momento, senti essa solidão que, vez por outra, impregna nossa memória e nos faz vasculhar cada espaço da nossa existência à procura de nós mesmos.


Despedida do navio


[...] Minha memória é pobre, conheço-me. Depois de alguns meses, os nomes que hoje são íntimos, instintivos, que penso não esquecer nunca como os dos meus parentes, estes nomes estarão, em grande parte, enfraquecidos, muitos definitivamente esquecidos e inutilmente procurarei recolhê-los no fundo da minha consciência [...] O que abandonará em primeiro lugar a minha memória? Quem será o primeiro a sair da cena ainda tão viva e fervilhante de personagens? Certamente não o perceberei. À noite, durante o sono, coisas e homens escaparão para fora de mim, um a um, e eu nada saberei. Somente após meses, ou anos, uma noite, cheio de nostalgia, farei uma espécie de chamada. Quem responderá? Oh, poucos, muito poucos. Completando-se, assim, a solidão dos homens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário