quinta-feira, 19 de março de 2009

Manuel Bandeira em dois poemas


A morte absoluta


Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,
-Sem deixar sequer esse nome.



Arte de amar


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

2 comentários:

  1. Ricardo, mi amigo
    Que bom saber que me achou, pelo menos em um dos meus blogs...rs... Estou com mais alguns outros... Sugiro http://memoriasdaescrita.wordpress.com e http://ericonarede.blogspot.com (coloca os links aqui na página, faz favor?? rs...)
    Estou adorando saber que os semioticistas estão chegando aos blogs. Precisamos desta "força".
    E, adorei seu blog. Agora só falta saber se tu ainda lembra da melodia do poema do Américo... Bicho, escreve, pelamordedeuzinho!
    Abração bem forte. Também estou te seguindo!

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  2. Lembra Clarice em "Perto do coração selvagem"... As almas são incomunicáveis! E o final... sem comentários. Muito bom!

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