quarta-feira, 23 de junho de 2010

Adeus...Saramago.


Várias foram as postagens, neste blog, acerca da grandeza de José Saramago . Nada mais justo. Em sua obra, o escritor conseguiu, como poucos, desvelar a beleza e a riqueza formal da Língua Portuguesa. Vai-se o homem, ficam as obras. Felizmente.


"É esta a paciência do tempo. Na gruta imensa, o tempo está aproximando duas pedras insignificantes e promete a silenciosa união para daqui a duzentos anos. À hora a que escrevo, pela noite dentro, a caverna está decerto em escuridão profunda. Ouve-se o pingar das águas soltas sobre os lagos sem peixes - enquanto em silêncio a montanha verte a gota vagarosa da promessa.

A paciência do tempo. Duzentos anos a fabricar pedra, a construir uma pequena coluna, um mísero toco em que ninguém reparará depois. Duzentos anos de trabalho monótono e aplicado, indiferente às maravilhas que cobrem as paredes altíssimas da gruta e fazem rebentar flores de pedra do chão. Duzentos anos assim, só porque assim tem de ser.


Falo do tempo e de pedras, e, contudo, é em homens que penso. Porque são eles a verdadeira matéria do tempo, a pedra de cima e a pedra de baixo, a gota de água que é sangue e é tam bém suor. Porque são eles a paciente coragem, e a longa espera, e o esforço sem limites, a dor aceite e recusada - duzentos anos, se assim tiver de ser (Saramago, a bagagem do viajante)".

"É natural, o costume é morrer, e morrer só se torna alarmante quando as mortes se multiplicam, uma guerra, uma epidemia, por exemplo"(Saramago, as intermitências da morte).

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Dia dos (e) namorados


À musa (Marcos Bagno)

Faz muito tempo que não te visito
em sua casa de soluço e sombra,
em tua oficina escura de brandas inutilidades,
cinzéis diáfanos
forjas vaporosas
bigornas de névoa,

instrumentos que se me oferecem, trêmulos,
decerto temerosos de não mais caberem
na fôrma dessacralizada dos meus dedos.

Houve um tempo em que éramos tão facéis,
tão imediatos em nos reconhecermos,
eu sempre lesto e ávido a recolher teus nomes,
tu a me derramares um cântaro inesgotável deles.

Hoje, transcorridos séculos de ausência,
venho de novo bater à tua porta,
saudoso de ti e de mim,
arrependido de minha prologanda apostasia,
mendigo das migalhas do teu banquete.

- Posso?



sábado, 5 de junho de 2010

O sujeito do discurso amoroso

Em Fragmentos do discurso amoroso, livro que já foi considerado best seller no Brasil (na época, virou peça de teatro, protagonizada por ator global), Roland Barthes recolhe "cacos de discursos" de textos de origens diversas (literatura, Psicanálise, filosofia, Zen budismo etc.) para tentar flagrar, por meio da linguagem, a presença de um sujeito "amoroso" transdiscursivo. Seguem três trechos do livro, para incitá-los à leitura:


"'Estarei enamorado? Claro que sim, já que espero'. O outro, este, nunca espera. às vezes, quero bancar aquele que não espera; tento me ocupar com outra coisa, chegar atrasado; mas, nesse jogo sempre perco; faça o que fizer, acabo sempre ocioso, pontual, adiantado mesmo. A identidade fatal do amante nada mais é que: sou aquele que espera" (p. 166-167).


"As palavras nunca são loucas (no máximo perversas), é a sintaxe que é louca: não é acaso no nível da frase que o sujeito busca seu lugar - e não o encontra - ou encontra um lugar falso que lhe é imposto pela língua?" (P. 21).



"Eu te amo não tem empregos. Essa palavra, tanto quanto a de uma criança, não é entendida a partir de nenhuma coerção social; pode ser uma palavra sublime, solene, ligeira, pode ser uma palavra erótica, pornográfica. É uma palavra socialmente errante" (p. 174).