sábado, 27 de março de 2010

Do Talento dos amigos II

Ema Bessar Viana é grande amigo. Semioticista e Linguista dotado de talento singular, admiro-o sobretudo pela profundidade com que discute conteúdos relacionados às disciplinas correspondentes. Ouvi-lo é sempre oportunidade para aprender. Seus textos são claramente marcados pela lida com o estrato linguístico, evidenciando uma espécie de formalismo a serviço da estética (ou vice-versa). Como bom semioticista que é, busca com equilibrado apuro linguístico o "Parecer do Sentido". No que tange aos seus poemas, é inequívoca a influência de João Cabral de Melo Neto.
A palavra rediviva (Ema Bessar Viana)


Quando zumbem e silvam e ciciam
Na substância amorfa dos ruídos
As palavras-som sulcam seus sentidos
Em sentidos outros que silenciam.

Do curso melódico e circular
As palavras-som à cadeia assomam
Como forma de sonidos que a cromam
Quando o fluxo-tempo se faz cortar.

Mas se a extensão da folha de papel
Torna-se o novo campo de batalha
E delas o sônico efeito falha,

Eis que sem converter-se em ouropel
E dando provas de desembaraço
As palavras-som exploram o espaço.

sábado, 20 de março de 2010

Do Talento dos amigos

Nesta postagem, bem como nas próximas (três), cedo o espaço para os textos de amigos e amigas que surpreendem pela vida, pela arte, pela linguagem...


A César o que é de César


(Vicência Jaguaribe)


Não tem jeito, a dor não morre.
Muito menos dorme.
Por mais que lute e me esforce
Ela está lá, de sentinela.
Sempre à espreita, sempre à espera.
Ao menor vacilo, à mínima brecha,
Ela não hesita. Mostra-se, entrega-se.

Já tentei entretê-la,
Procurei convencê-la.
Expus-lhe todas as razões
Falei-lhe da inutilidade das ilusões.
Mas ela, com um riso de ironia,
Acenou-me falando da tirania
Que governa as razões dos corações.

Ela, às vezes, se faz de surda,
Faz ouvido de mercador.
E me joga na enxurrada,
Sem o mínimo pudor.

Ri das minhas tentativas,
Zomba das minhas angústias.
Ironiza o meu luto.
Até me acusou de teimosia:
Quem já foi feliz um dia
Precisa pagar tributo.

- Não julgue que algo se constrói
Sem que se pague a César
O que é de César.
Disse-me com ar de quem corrói.

- E nos batem à porta,
Às horas mortas,
Aqueles que prescrevem:
Há sempre um César
A cobrar o que lhe devem.


Vicência:

É da dor que extraímos o travo da vida... que nos leva a outros sabores.

Vicência Jaguaribe é professora adjunta (aposentada) da Universidade Estadual do Ceará /UECE e Mestre em Letras pela Universidade Federal do Ceará.

sábado, 13 de março de 2010

A cor ou o som das cores?


As pinturas do artista plástico Leonid Afremov (nado em 1955, na Bielorrusia) são obras de arte executadas com espátula e tinta a óleo. Obras que encantam por suas cores vivas e por retratar paisagens belas da cidade, realçadas por cores fortes e brilhantes. Conheci as telas do pintor por meio do blog http://www.memóriasdaescrita.blogspot.com/, do meu amigo Érico Baymma. Comentei, na ocasião, o quanto me impressionaram e estesiaram.

Segue abaixo um poeminha-brincadeira sobre o tema em tela:

Pintar o poema.
pintura poética?
do pincel do poeta,
qual cor vale a pena?
apenas o som
da cor que faz festa.
(Ricardo Leite)















domingo, 7 de março de 2010

As coisas da alma ou a alma das coisas?


Conforme vocês notaram, em algumas postagens antigas, não consigo resistir à genialidade de Paul Valéry. Relendo en passant um de seus livros (A alma e a dança), deparo-me com estes dois belíssimos trechos:


[...] procuramos, no que é, um remédio ao que não é; e no que não é, um alívio para o que é. Ora o real, ora a ilusão nos recolhe; e a alma, em definitivo, não tem outros meios exceto o verdadeiro, que é sua arma – e a mentira, sua armadura.




[...] Sem dúvida, o objeto único e perpétuo da alma é bem aquilo que não existe: o que foi, e não é mais; o que será, e não é ainda; o que é possível, o que é impossível — são bem esses os assuntos da alma, mas nunca, nunca, aquilo que é.