sexta-feira, 27 de março de 2009

SAHARA VITAE Soneto de Olavo Bilac

Antônio Cândido, em seu livro "O observador literário", define o soneto como "a vida em resumo". Para o autor, o soneto possui "uma estrutura de obra plástica fechando em si mesma um universo completo". O soneto abaixo muito me impressionou: o tema é banal - a vida como luta do homem contra a adversidade de um mundo insensível -; a seleção lexical nao surpreende, mas... ao se acomodarem à forma reduzida do soneto, as palavras articulam belíssimas metáforas, que nos conduzem a essa visão, esse quadro da vida como arte.


SAHARA VITAE

Lá vão eles, lá vão! O céu se arqueia
Como um teto de bronze infindo e quente,
E o sol fuzila e, fuzilando, ardente
Criva de flechas de aço o mar de areia...

Lá vão, com os olhos onde a sede ateia
Um fogo estranho, procurando em frente
Esse oásis do amor que, claramente,
Além, belo e falaz, se delineia.

Mas o simum de morte sopra: a tromba
Convulsa envolve-os, prostra-os; e aplacada
Sobre si mesma roda e exausta tomba...

E o sol de novo no ígneo céu fuzila...
E sobre a geração exterminada
A areia dorme plácida e tranqüila.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Manuel Bandeira em dois poemas


A morte absoluta


Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."

Morrer mais completamente ainda,
-Sem deixar sequer esse nome.



Arte de amar


Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

sábado, 14 de março de 2009

Machado de Assis em Aforismos


Da literatura brasileira, é este o nome maior, capaz de fazer ecoar a língua portuguesa nos confins do tempo. Vejam algumas citações do autor:



"Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço" (Ensaio: Notícia da Atual Literatura Brasileira - Instinto de Nacionalidade, 1873).


"O maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado".


"Há sempre uma qualidade nos contos, que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem curtos".


"Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria" (Memórias Póstumas de Brás Cubas).

-"Já acho mais quem me aborreça do que quem me agrade, e creio que esta proporção não é obra dos outros, é só minha exlusivamente"(Memorial de Aires).


Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou (Memórias Póstumas de Brás Cubas).


"Trata de saborear a vida; e fica sabendo, que a pior filosofia é a do choramingas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la" (Memórias Póstumas de Brás Cubas).

sábado, 7 de março de 2009

MAGMA: a poesia de Guimarães Rosa


Para aqueles que só conhecem a prosa, apresento alguns versos do grande escritor ROSA, pincelados do seu premiado livro de poemas, intitulado MAGMA.

Rosa foi um desinventor das palavras.

Bibliocausto


E só ficará comigo

o riso rubro das chamas, alumiando o preto

das estantes vazias.

Porque eu só preciso de pés livres,

de mãos dadas,

e de olhos bem abertos.



Revolta


Mas não quero ir para mais longe,

desterrado,

porque a minha pátria é a memória.


Saudade


Pressa!...

Ânsia voraz de me fazer em muitos,

fome angustiosa da fusão de tudo,

sede da volta final

da grande experiência:

uma só alma em um só corpo,

uma só alma-corpo,

uma só,

um!...

Como quem fecha numa gota

o Oceano,

afogado no fundo de si mesmo...